Furo no Futuro - Final
Na
delegacia:
__Barbosa,
dá uma ajuda aqui. – disse o delegado – leva essa papelada lá
pra cima que eu quero ouvir essa história aqui direito. Resolve o
que pintar aí, fala que eu saí, sei lá, desenrola aí pra mim. –
virando-se para Tales – você tem advogado rapaz?
__Não
senhor
__Pelo
visto você vai precisar de um. Agora preste atenção, quero que
você repita o que aconteceu ontem à noite para que eu possa
entender direitinho o que você está dizendo. Você estava em um
encontro? Encontro de que?
__É que
eu trabalho com Voip um sistema de voz sobre IP – disse Tales –
este sistema funciona utilizado-se da internet ...
__Sei, o
filho do Barbosa trabalha com isto, continue. – interrompeu o
delegado
__Este
encontro foi realizado como forma de promover nossa empresa na
região.
O
delegado pensou que não poderia deixar de confirmar com o filho do
Barbosa se houve esse tal encontro ou não.
__Certo,
e como você foi parar nessa tal festa em plena quinta-feira?
__É que
um dos parceiros no nosso negócio, residente em Juiz de Fora me
convidou para ir a este aniversário depois do encontro.
__A que
horas foram para a festa?
__O
encontro acabou às 16:00, meia hora depois já estávamos chegando
ao local da festa.
__Não é
meio cedo para uma festa?
__Foi o
que eu achei, mais o Rogério disse que os convidados eram colegas de
trabalho do aniversariante, que iriam direto do trabalho para o
aniversário. De qualquer forma fomos praticamente os primeiros à
chegar, o restante do pessoal só começou à vir lá pras cinco e
meia.
O
delegado fez apenas um breve aceno com a cabeça para que
continuasse.
__Como
moro em Belo Horizonte e não vinha à zona da mata desde minha
adolescência não conhecia o local e nem qualquer das outras pessoas
presentes nesta festa.
__Mas
você certamente possui o endereço ou telefone deste amigo que o
levou à festa.
__Sim –
deu uma pausa depois continuou – fiquei meio quieto no inicio mais
depois de algumas cervejas comecei à me enturmar e fiquei rodando
entre os grupos que se formavam. Depois de algumas horas senti falta
do meu colega e fui procurá-lo, mas ele já havia ido embora.
Passavam das seis e meia e estava começando a escurecer. Ninguém se
predispunha a ir embora, quanto mais a me levar ao centro para que eu
voltasse ao hotel. Decidi que saberia ir sozinho, fiz meia dúzia de
perguntas ao povo da festa e saí à pé decidido à pegar um ônibus
ou um táxi para o centro. Saí andando pelas ruas que estavam quase
desertas, as ruas parecem diferentes à noite. A iluminação pública
era boa e eu estava arrependido de não ter ido ao banheiro antes de
sair. Decidi que deveria fazer uma parada no próximo cantinho mais
escuro que achasse, foi quando vi aquela casa abandonada.
__E como
você sabia que era uma casa abandonada?
__Bom,
pelo jardim. Ele estava coberto de mato, além disto, a porta estava
entreaberta. Dava pra ver da rua.
__Certo,
continue.
__Entrei
pelo jardim mal cuidado e fiquei fascinado pela bela arquitetura do
casarão. Havia uma pequena varanda em frente à porta frontal da
qual saiam duas escadas formando uma espécie de pirâmide. Subi por
uma delas e entrei com cuidado pela porta entreaberta e empoeirada.
__Você
não estava apertado? Porque não se aliviou ali mesmo no jardim.
__Aquele
jardim estava com mato alto e estava meio escuro. Podia ter algum
inseto, cobra, ou outro animal. Além do mais eu estava curioso e
fascinado pela casa. Queria ver como ela era por dentro. Só que
quando entrei não vi muita coisa por causa da penumbra. Acendi o
celular pra iluminar um pouco a sala cujas paredes estavam pichadas e
prestes a desmoronar. Já estava com a bexiga doendo e resolvi
finalmente me aliviar sem remorso, afinal percebi ao caminhar que
pela irregularidade do piso este já havia sido totalmente
danificado. Além do mais o cantinho que escolhi fedia mais do que
banheiro público. Sabia que não devia me demorar, queria voltar
logo à cidade, mas não consegui ignorar uma grande peça de louça
imponente vista de relance dentro de uma das portas iluminada
fracamente pela luz do celular. Era uma banheira que apesar de suja
era linda. Fiquei imaginando-me mergulhado nela e quais corpos haviam
tido o prazer de imergir nesta banheira. Certamente belas mulheres ou
jovens com os hormônios à flor da pele.
__Podemos
voltar ao assunto, por favor? – disse o delegado irritado com o
prolongamento desnecessário do relato.
__Claro,
claro – disse Tales meio envergonhado - depois de apreciar o
objeto dei às costas para sair da casa e caminhei em direção à
porta passando pela outra extremidade da sala por causa do desvio
feito para observar a bela banheira. Foi quando literalmente tropecei
em algo e caí. Só que não era algo e sim alguém.
__Mas
você não estava iluminando o local com a lanterna?
__Celular.
Com o celular. Mas a luz era muito fraca e o corpo estava encoberto
pela quina de uma parede. O banheiro ficava ligeiramente dentro de um
corredor.
__E o
que aconteceu depois?
__Bom,
eu fiquei apavorado com o que vi. Após sentir o cheiro de terra
úmida devido ao abandono da casa comecei a apalpar o solo em busca
do meu celular que havia se apagado com a queda. Levei um susto ao
tocar em um corpo, achei que era um mendigo e fiquei com medo de que
ele acordasse e quisesse me agredir. Por fim achei meu celular e
quando o acendi e apontei para o pretenso mendigo, meus olhos não
acreditaram no que viram. Minha espinha dorsal gelou-se de alto à
baixo e vomitei expelindo grandes quantidades de cerveja e alimentos
não completamente digeridos. Era o corpo de uma mulher, ou melhor,
menina. Estava totalmente cortado, mutilado e ensanguentado. O susto
foi tão grande que saí o mais depressa possível de perto daquela
cena horrenda.
__Se foi
de fato desta forma, porque não veio imediatamente à policia?
__Porque
depois disto simplesmente apaguei. Não lembro de mais nada, até
acordar em um hotel hoje às nove e meia da manhã.
__Sei.
Você está meio enrolado rapaz.
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Jamais
voltaria àquela cidade. Sua antiga vida não mais o interessava. Não
tinha amores perdidos, assuntos mal resolvidos, saudades ou qualquer
outra coisa que lhe prendesse ali. Queria deixá-la para traz junto
com seu outro eu. Seguiria novamente seu caminho.
O culpado pelo hediondo crime da noite anterior já havia sido pego.
Claro que o delegado havia ficado com a pulga atrás da orelha e não
acreditava inteiramente no que Tales havia lhe dito, porém após uma
ligação para a delegacia de Juiz de Fora tudo foi rapidamente
esclarecido. O assassino havia praticado um crime passional e sido
entregue para a polícia pelos próprios pais que já desconfiados da
insanidade do filho não tiveram dúvidas ao entregá-lo às
autoridades ao vê-lo chegando em casa com a roupa suja de sangue. Na
delegacia confessou friamente o crime. O relato de Tales fazia certo
sentido e não havia motivo para mantê-lo preso mesmo com a lacuna
do que haveria ocorrido entre o incidente e o seu relato. Tales sabia
preencher as lacunas, mas dizer isto ao delegado seria loucura. Se
contasse uma história mirabolante como a dele jamais conseguiria
convence-lo de qualquer outra coisa. Por mais coerente que fosse.
Após ser liberado finalmente lembrou-se de ligar para o escritório
e permitiram-no que retornasse ao trabalho apenas na segunda-feira
não seria um grande prejuízo afinal, tinha todo o fim de semana
pela frente, mas desejava sair logo daquele lugar e voltar para sua
vida normal, se é que ele era normal.