Aos perdidos no deserto.

Olá prezado navegante, o que o fez cair aqui neste ambiente árido e sem vida (quase nenhuma)? Este lugar não é pra você. Não estou querendo expulsá-lo, porém! Fique à vontade.

Deixe-me contar - já que está por aqui - o motivo da criação deste ponto no meio do nada de um mar de IPs e máscaras de sub-rede. Mas antes, acho que posso mencionar que este blog já teve alguns nomes: fl4v10, tremdeler, poráguabaixo e outros de que eu não me lembro. Porém acho o atual nome mais adequado já que não possuo seguidores e apenas eventualmente recebo a visita de algum incauto redirecionado por motivo que foge a minha compreensão. Entrou em uma trilha e se perdeu?

Volto à razão da criação do blog, se o senhor ou senhora ainda estiver aí, que reverbera vazios verbos - e artigos, e adjetivos, etc - ao vento arenoso dos bytes. Certamente, se o ilustre visitante escreve e se goza de relativa autocrítica e cuja vaidade não interfere excessiva, deve já ter jogado fora alguns de seus escritos. O problema disto é que se perde alguma coisa boa dentre as tantas coisas ruins. Perde-se também um pouco da própria história literária (ainda que questionável ou incipiente). Como vamos perceber que evoluímos se separamos só um pequeno texto que ficou bom? Neste sentido criei um depósito de meus escritos. Confesso que a intenção era também me forçar a escrever já que poderia - algo que não se concretizou - ter eco em algum leitor que seguisse este espaço.

Assim, sem mais, o espaço existe. E existe só para mim (na maioria do tempo). Caso queira sinalizar na areia um traço de presença humana, fique a vontade para deixar um recado após o sinal!! E obrigado pela visita!

BEEP.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Furo no Futuro - Parte I


Furo no Futuro - Parte I


O medo é a noite da percepção. E talvez por isto todos eles se aflorem quando ela chega. Tales anoiteceu sozinho naquela quinta-feira e sozinho caminhava por uma rua desconhecida como também eram os rostos e tudo mais que ele via. Ignorava seu destino e também que era quinta. Sentia apenas a sensação de sair de um estado alfa e aos poucos vinha tomando consciência de que de nada se lembrava além do fato de que existia. E então, neste momento, o tal medo que aflora à noite, fez gelar de alto a baixo seu dorso e apertar em seu peito o hálito sufocante e gelado desta mal fadada emoção.
Embrenhou-se inadvertidamente pelos seus cabelos com os dedos audaciosos empenhados no valioso trabalho de pesquisa. Mas nada encontrou de esclarecedor. Sabia ele, não sabia como, que a amnésia ocorre após um trauma físico ou psíquico, mas não havia sinal qualquer de ferida a magoar seu corpo e nenhuma dor o afligia além daquela causada pela sensação desconfortável de não saber-se. Talvez então o trauma fosse psíquico, alguma notícia desagradável, algum choque qualquer que o colocasse em estágio letárgico. Porém, se desta forma fosse, porque estaria a caminhar sozinho por uma rua desconhecida sem qualquer interlocutor a tentar acalmá-lo da trágica notícia dada e que lhe causara tanto desapreço a ponto de fazê-lo ter vontade de esquecer de tudo?
Talvez tivesse sido ele abduzido e devolvido ao mundo sem qualquer traço de memória em uma rua desconhecida, afinal era assim mesmo que ele se sentia. Rua desconhecida! É curioso como nossa mente funciona, quando acordamos demoramos um pouco a sintonizá-la para depois irmos lembrando-nos gradativamente das coisas. Quando dormimos em algum lugar diferente demoramos-nos ainda mais tentando assimilar a informação que saiu do cotidiano. Talvez Tales tivesse dormido por muito tempo, pois sentia que sua memória estava voltando gradativamente. A rua desconhecida, não era mais tão desconhecida e apesar de não se lembrar de onde estava, sentia nela alguma atmosfera especial, talvez pelas árvores que se seguiam enfileiradas sobre o passeio ou pela disposição dos paralelepípedos por onde passavam carros que nunca tinha visto e pedestres apressados desafiando o transito.
Desta forma, o medo, que se potencializa na incerteza do futuro e estende suas raízes para alimentar-se do desconhecido, vai se desvanecendo diante da sensação, ainda que vaga, de que o mundo se revela aos seus olhos e de que brevemente o reconhecerá após afugentar a bruma que encobre suas ideias e enche de dúvidas sua visão.
Um de-já-vu, sinal de mau agouro para alguns, o surpreende. A buzina de um automóvel soa ansiosa atrás de um ônibus de rua que, preguiçoso, acabara de parar em um ponto, distante do passeio, bloqueando a passagem dos veículos. Uma pedestre gorda e desajeitada atravessa apressada bem na frente do coletivo segurando sua bolsa com um dos braços e os seios com o outro e entra na fila para entrar no veículo. Tales aproveita e atravessa a rua de paralelepípedos em direção à uma charmosa pracinha com uma espécie de memorial arquitetônico em seu centro pensando que um de-já-vu é uma boa notícia para um desmemoriado, é a mente dando sinais de vida. Mal acabara de formular o pensamento e ao olhar à frente um flash o atingira. No centro da praça havia um enorme painel a céu aberto e no canto inferior direito uma assinatura a tinta. Portinari. Onde mais haveria visto um painel de Portinari a céu aberto senão em Cataguases? Era nesta cidade que Tales havia nascido e onde vivera sua infância?
Ficou zonzo, atônico, desnorteado com a descoberta que emergia em sua mente. Acabara de renascer para o mundo, sabia enfim quem era e sua mente desenferrujara-se por completo em um fluxo de sinapses que traziam à tona sua memória como em um filme. Só que este filme também era sobre amnésia...

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Juca e o ventilador

A hélice girava lentamente e a menina Juca distraia-se olhando seu movimento cadenciado. Estava quase parando. Ela estava grogue como quando acabamos de acordar após uma noite de excessos. Sua mente parecia girar azul como a hélice do velho ventilador. Era novinho, mas suas grades pareciam estar estranhamente enferrujadas. Meu ventilador, pensou. E uma voz soou em sua mente, sim. Olhou para o lado e só então percebeu ter falado em voz alta. A voz era de um moço sorridente que a olhava com ternura, tinha a barba negra e o rosto estranhamente familiar, apesar de não conhece-lo. Se deu conta de que não estava sozinha. Além do moço havia um senhor de cabelos brancos e rosto cansado sentado na poltrona à frente e uma moça que parecia ser namorada do rapaz que lhe respondera sorridente. Eles conversavam coisas sem sentido e falavam de pessoas cujos nomes não evocavam nada, nem cheiros, nem sabores, nem sensações de tipo algum.

Sonhos são quase sempre assim, enevoados e repletos de imagens incompletas e de sensações confusas e imprecisas mesclando-se em um turbilhão de pensamentos que mesmo desconexos se chocam e se aglutinam uns aos outros formando o roteiro da realidade subconsciente que é criada durante o sono. Mas Juca não dormia, mas certamente acordara de pouco e as sensações do sono ainda estavam arraigadas em sua mente e teimavam em deixá-la assim como uma graxa que teima em deixar as mãos mesmo com muito sabão. Devia ser isso, certamente, e o sabão da realidade não tardaria em limpar o sonho em alguns instantes. Melhor então seria entreter-se com o ambiente e assim ajudar o sabão à agir, observação era sem dúvida a água da realidade.

Havia um quadro sobre a poltrona da frente em que diante de uma paisagem bucólica caminhavam homens e trajes rurais com suas ferramentas de trabalho. As poltronas eram de uma napa marrom e já estava rasgada em alguns lugares. Sobre um móvel irregular e com duas portinhas de vidro, alguns buracos quadrados estratégicos havia uma TV colorida pequena que estava desligada e alguns enfeites de louça. E claro também havia seu ventilador. Onde estaria? Visitando alguém? Era improvável pois lá estava seu ventilador. Sua mente trabalhava.

__Cadê o Dedeco? - perguntou finalmente ao moço sorridente.

As pessoas se entreolharam e após algum silencio se ouviu uma voz.

__Dedeco é o primo dela – disse o senhor de cabelos brancos.

Ela sabia perfeitamente que Dedeco era seu primo, e o que tinha aquele senhor com isso? Ficou com uma raiva daquele velho por ficar se entrometendo na sua conversa.

__Vocês não o conheceram. Ele morreu ainda jovem. - disse novamente o velho.

__Ah tá, o tio Dedeco. Me lembro de ouvir vocês falando dele. - disse o moço, e continuou – não quer que pegue um café mamãe.

__Não. Mas eu estou com sede, se puder trazer uma água meu filho.

E Juca viu Marcos se levantar. Sim, seu filho, sua casa, seus dedos enrugados, suas mãos cansadas. A menina Juca com seus cabelos brancos e corpo fadigado sorriu pela primeira vez no dia. Um sorriso triste mas simbólico. Feliz por estar com sua família reunida. Seu filho, sua nora, seu velho companheiro e seu ventilador com suas hélices que giram azuis como sua mente.