A hélice girava lentamente e a menina Juca distraia-se olhando seu movimento cadenciado. Estava quase parando. Ela estava grogue como quando acabamos de acordar após uma noite de excessos. Sua mente parecia girar azul como a hélice do velho ventilador. Era novinho, mas suas grades pareciam estar estranhamente enferrujadas. Meu ventilador, pensou. E uma voz soou em sua mente, sim. Olhou para o lado e só então percebeu ter falado em voz alta. A voz era de um moço sorridente que a olhava com ternura, tinha a barba negra e o rosto estranhamente familiar, apesar de não conhece-lo. Se deu conta de que não estava sozinha. Além do moço havia um senhor de cabelos brancos e rosto cansado sentado na poltrona à frente e uma moça que parecia ser namorada do rapaz que lhe respondera sorridente. Eles conversavam coisas sem sentido e falavam de pessoas cujos nomes não evocavam nada, nem cheiros, nem sabores, nem sensações de tipo algum.
Sonhos são quase sempre assim, enevoados e repletos de imagens incompletas e de sensações confusas e imprecisas mesclando-se em um turbilhão de pensamentos que mesmo desconexos se chocam e se aglutinam uns aos outros formando o roteiro da realidade subconsciente que é criada durante o sono. Mas Juca não dormia, mas certamente acordara de pouco e as sensações do sono ainda estavam arraigadas em sua mente e teimavam em deixá-la assim como uma graxa que teima em deixar as mãos mesmo com muito sabão. Devia ser isso, certamente, e o sabão da realidade não tardaria em limpar o sonho em alguns instantes. Melhor então seria entreter-se com o ambiente e assim ajudar o sabão à agir, observação era sem dúvida a água da realidade.
Havia um quadro sobre a poltrona da frente em que diante de uma paisagem bucólica caminhavam homens e trajes rurais com suas ferramentas de trabalho. As poltronas eram de uma napa marrom e já estava rasgada em alguns lugares. Sobre um móvel irregular e com duas portinhas de vidro, alguns buracos quadrados estratégicos havia uma TV colorida pequena que estava desligada e alguns enfeites de louça. E claro também havia seu ventilador. Onde estaria? Visitando alguém? Era improvável pois lá estava seu ventilador. Sua mente trabalhava.
__Cadê o Dedeco? - perguntou finalmente ao moço sorridente.
As pessoas se entreolharam e após algum silencio se ouviu uma voz.
__Dedeco é o primo dela – disse o senhor de cabelos brancos.
Ela sabia perfeitamente que Dedeco era seu primo, e o que tinha aquele senhor com isso? Ficou com uma raiva daquele velho por ficar se entrometendo na sua conversa.
__Vocês não o conheceram. Ele morreu ainda jovem. - disse novamente o velho.
__Ah tá, o tio Dedeco. Me lembro de ouvir vocês falando dele. - disse o moço, e continuou – não quer que pegue um café mamãe.
__Não. Mas eu estou com sede, se puder trazer uma água meu filho.
E Juca viu Marcos se levantar. Sim, seu filho, sua casa, seus dedos enrugados, suas mãos cansadas. A menina Juca com seus cabelos brancos e corpo fadigado sorriu pela primeira vez no dia. Um sorriso triste mas simbólico. Feliz por estar com sua família reunida. Seu filho, sua nora, seu velho companheiro e seu ventilador com suas hélices que giram azuis como sua mente.
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