Aos perdidos no deserto.

Olá prezado navegante, o que o fez cair aqui neste ambiente árido e sem vida (quase nenhuma)? Este lugar não é pra você. Não estou querendo expulsá-lo, porém! Fique à vontade.

Deixe-me contar - já que está por aqui - o motivo da criação deste ponto no meio do nada de um mar de IPs e máscaras de sub-rede. Mas antes, acho que posso mencionar que este blog já teve alguns nomes: fl4v10, tremdeler, poráguabaixo e outros de que eu não me lembro. Porém acho o atual nome mais adequado já que não possuo seguidores e apenas eventualmente recebo a visita de algum incauto redirecionado por motivo que foge a minha compreensão. Entrou em uma trilha e se perdeu?

Volto à razão da criação do blog, se o senhor ou senhora ainda estiver aí, que reverbera vazios verbos - e artigos, e adjetivos, etc - ao vento arenoso dos bytes. Certamente, se o ilustre visitante escreve e se goza de relativa autocrítica e cuja vaidade não interfere excessiva, deve já ter jogado fora alguns de seus escritos. O problema disto é que se perde alguma coisa boa dentre as tantas coisas ruins. Perde-se também um pouco da própria história literária (ainda que questionável ou incipiente). Como vamos perceber que evoluímos se separamos só um pequeno texto que ficou bom? Neste sentido criei um depósito de meus escritos. Confesso que a intenção era também me forçar a escrever já que poderia - algo que não se concretizou - ter eco em algum leitor que seguisse este espaço.

Assim, sem mais, o espaço existe. E existe só para mim (na maioria do tempo). Caso queira sinalizar na areia um traço de presença humana, fique a vontade para deixar um recado após o sinal!! E obrigado pela visita!

BEEP.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Furo no Futuro - Parte II


Furo no Futuro - Parte II
As manchas brilhantes eram como as sombras de Platão no mito da caverna. Representavam as luzes da cidade projetadas pelo álcool em sua retina. Mesmo assim a noite estava linda e da ponte de metal podia ver, mesmo que distorcidos, os faróis dos veículos que passavam pela outra ponte, essa de concreto armado e que conhecia muito bem do alto de seus 19 anos. Cláudia gostava muito mais de quando a ponte de metal era amarela como na foto do postal que tinha em seu quarto, mais ela agora havia sido pintada de branco, não sabia por que. Havia muita poeira no duto branco sobre o qual ela estava e teve que enxugar os olhos com as costas das mãos porque a grade de metal na qual se segurava também estava suja. Começou novamente a remoer a solidão e o tédio que sentia e a falta de perspectiva e esperança da sua vida medíocre e insossa. Como sentia saudade do litoral! O som do mar e o sal da água a tudo purificam nas mentes e nas feridas do corpo ou da alma. Porém ali, naquela cidade abafada, talvez só as águas do rio Pomba pudessem curar sua tristeza. E já que ouvia dos Anjos, “acostuma-te à lama que te espera”, não tinha a intenção de deixá-la esperando. Afinal, apesar de seu desolamento e tristeza, tinha que reconhecer que era uma bela noite para deixar-se cair na escuridão do rio e nunca mais voltar.

Um vulto passou à sua frente enquanto estava distraída ao preparar seu ritual mental de morte. Naquele instante, pouco antes do suicídio quando as pessoas buscam organizar seus pensamentos tencionando encontrar as frases certas para maximizar a sensação do derradeiro momento. Levou um susto tão grande que se desequilibrou e quase caiu no rio. Segurou firme com as mãos na grade e girou sobre o cano de metal chocando seu quadril com a ponte produzindo um estrondo metálico. Procurou como pôde voltar à posição original com taquicardia, o orgulho arranhado e a roupa toda suja. Apesar de toda essa pataquada o homem, distraído que estava, sequer percebeu sua presença. Seu rosto não lhe era estranho, mas não se lembrava de onde conhecia aquele homem que quase atrapalhara seu intento. Não haveria sentido algum em uma morte acidental àquela altura do campeonato. Não só furtaria completamente todo o sentido do ato, como também emitiria, com firma registrada, um irrefutável atestado de incompetência.
Subitamente lembrou-se de quem era o homem. Era o homem da foto, o amigo de infância de sua tia Drica. Era Tales, o tal sujeito da estória esquisita que ela havia contado. De repente perdeu a vontade suicidar-se. Para uma mulher, a curiosidade é uma força poderosa, capaz de prevalecer sobre quase qualquer outro desejo.

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Uma frase escrita em latim1 no alto da ponte chamou a atenção de Tales, como poderia ele não ter reparado na inscrição gravada na placa de metal e que provavelmente estaria lá há décadas? As sombras o impediram de ler a frase, mais sempre haveria um amanhã, em que certamente o sol brilharia iluminando tais palavras de uma língua para ele desconhecida. Esta era uma cidade estranha onde frases em latim, painéis de Portinari, obras de Niemeyer e a lembrança distante das avós Super-oitos2 enferrujadas pareciam esconder-se envergonhadas ao lado de palavras verdes3. Eram fantasmas de outra época que vez por outra saltavam sem motivo aos olhos assustando frequentemente os menos distraídos ao tempo e mais distraídos ao espaço.

Alguns passos após passar por um homem que regava cambaleante uma árvore com o líquido quente impregnado de álcool enquanto olhava para o céu na escuridão da rua mal iluminada, encontrou as luzes amareladas que vinham do chão e explodiam sobre o prédio da prefeitura da cidade. Notou de relance algo de estranho que não pode identificar imediatamente e subitamente olhou para as mãos, foi só então que percebeu que elas estavam encharcadas de sangue, assim como sua camisa marrom que por sorte era de um tom bem escuro e não realçava as manchas. Pensou em lavá-las no chafariz da praça, mais logo mudou de ideia, se alguém o visse chamaria muita atenção. Ao invés disto caminhou calmamente até o bar mais próximo, pediu para usar o banheiro e lavou as mãos sem maiores problemas. Notou ao enxugar as mãos que em seu bolso havia uma carteira e viu em seus documentos um rosto que não conhecia, mas por coincidência era o mesmo que o assustava ao espelho. Havia dinheiro e estava muito cansado, decidiu ir a um hotel ainda preocupado com a forma como teria sujado suas mãos de sangue.

1 Pacificusne est ingressus tuus? – É pacífica tua chegada?
2 Câmeras utilizadas nos filmes de películas.
3 Referencia à revista verde

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