Aos perdidos no deserto.

Olá prezado navegante, o que o fez cair aqui neste ambiente árido e sem vida (quase nenhuma)? Este lugar não é pra você. Não estou querendo expulsá-lo, porém! Fique à vontade.

Deixe-me contar - já que está por aqui - o motivo da criação deste ponto no meio do nada de um mar de IPs e máscaras de sub-rede. Mas antes, acho que posso mencionar que este blog já teve alguns nomes: fl4v10, tremdeler, poráguabaixo e outros de que eu não me lembro. Porém acho o atual nome mais adequado já que não possuo seguidores e apenas eventualmente recebo a visita de algum incauto redirecionado por motivo que foge a minha compreensão. Entrou em uma trilha e se perdeu?

Volto à razão da criação do blog, se o senhor ou senhora ainda estiver aí, que reverbera vazios verbos - e artigos, e adjetivos, etc - ao vento arenoso dos bytes. Certamente, se o ilustre visitante escreve e se goza de relativa autocrítica e cuja vaidade não interfere excessiva, deve já ter jogado fora alguns de seus escritos. O problema disto é que se perde alguma coisa boa dentre as tantas coisas ruins. Perde-se também um pouco da própria história literária (ainda que questionável ou incipiente). Como vamos perceber que evoluímos se separamos só um pequeno texto que ficou bom? Neste sentido criei um depósito de meus escritos. Confesso que a intenção era também me forçar a escrever já que poderia - algo que não se concretizou - ter eco em algum leitor que seguisse este espaço.

Assim, sem mais, o espaço existe. E existe só para mim (na maioria do tempo). Caso queira sinalizar na areia um traço de presença humana, fique a vontade para deixar um recado após o sinal!! E obrigado pela visita!

BEEP.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Furo no Futuro - Parte III

Furo no Futuro - Parte III

A escuridão da mesma rua de que Tales saíra há alguns minutos descortinou-se e Cláudia não viu qualquer sinal dele. Seus olhos percorreram a praça rapidamente e vasculharam cada recanto. Seguiu em frente induzida pelo hábito, afinal percorria sempre o mesmo caminho em direção à sua casa. Começou a se perguntar quanto tempo havia passado desde que tinha visto Tales. Alguns dias depois, começaria a duvidar até que o havia visto realmente e após alguns anos teria certeza de que era tudo obra da sua imaginação que a havia protegido da morte, por alguma intervenção divina e inexplicável. Mas no momento continuaria a procurá-lo sem saber que jamais o veria novamente. A história que sua tia havia contado ainda estava fresca em sua memória.

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“Hoje é apenas um furo no futuro de onde o passado começa a jorrar” – Raul Seixas.

O álbum de fotos estava no colo de Drica e havia apenas uma foto da época em que se formou. Todos os seus colegas de turma estavam na foto de um tempo em que praticamente todos estudavam juntos durante o ensino básico e fundamental.

__É esse aqui – disse Drica à Claudia – esse era o menino de que eu gostava. Nossa! Há quanto tempo não vejo essa foto, e quanto tempo se passou desde que a tiramos.

__E porque você disse que ele era estranho? Que coisas estranhas aconteceram com ele? – Perguntou Cláudia interessada. – Que babado fortíssimo.

__Na verdade, eu gostava dele justamente porque ele era intrigante. Jamais vi alguém mudar tão radicalmente em tão pouco tempo. Na verdade, parte da história que estou te contando, ele mesmo me revelou.

“Eu sempre tive minhas paixonites, mesmo durante a infância e sempre me orgulhei de saber reconhecer as pessoas, de saber como elas se sentiam e sempre tentava ajuda-las. Acredito que um misto entre esses dois sentimentos me fez gostar de Tales.”

“Ele era muito brincalhão e gostava de fazer as pessoas rirem, mas apesar disto era muito calado, custava a se soltar. Sentava-se sempre na primeira carteira, aliás, na minha sala todos já tinham cativos os lugares em que se sentavam. Se era repreendido por algum motivo, murchava imediatamente, quase chorava. Era super-inteligente, um C.D.F de carteirinha. Sempre tentava agradar e conciliar as opiniões, e justamente por isso todos gostavam dele. Porém não fazia sucesso com as meninas e os meninos não faziam muita questão de tê-lo como companhia.”

“Eu fazia-o de confidente e contava todas as minhas paixões e aflições, tratava-o como um diário vivo ou uma amiga. Ele por sua vez, também me contava suas aflições e medos, e eu adorava, porque sempre gostei de conhecer os mistérios da alma humana.”

__Foi ai que você soube que tinha vocação para psicologia? – Perguntou Cláudia.

__Bom, na verdade só fui me dar conta de que poderia fazer desta minha aptidão uma profissão vários anos depois. Mas essa é uma outra história. Onde estava?

__Você ouvia as escabrosas confissões dele – disse Cláudia em tom de deboche.

__Isso! – disse Drica esboçando um sorriso – Eram sempre aquelas questões de criança, a maioria delas reclamações sobre os pais e sobre os deveres de casa, ele era um profundo defensor da abolição de tarefas fora da escola, mesmo sendo um CDF. Mas um dia, ele veio com uma história que me impressionou muito, principalmente pela preocupação com que ele me contou o que se passava.

“Sua mãe pediu que entregasse um documento que seu pai havia esquecido em casa e como seu pai trabalhava na fábrica, no centro da cidade, ela entregou a ele o documento e anexou a ele um vale transporte. Tales chegou ao ponto uns cinco minutos antes e percebeu, pelo número de pessoas presentes que o ônibus ainda não havia passado. Como não conhecia ninguém para puxar assunto e era muito tímido decidiu sentar-se no meio fio, tomando cuidado para não molhar os pés na água que escorria parecendo uma miniatura de rio próxima a ele. Ficou olhando para o tal mini-rio e decidiu pegar uma folha que havia caído da árvore e colocar sobre as águas. Procurou colocar a folha delicadamente para que não afundasse, e ela começou sua jornada, como uma canoa em águas revoltas. Seus olhos perseguiram-na durante algum tempo e depois...” – Drica ficou muda em tom de suspense.

__Ah! Não faça isso. E depois o que? Hein? – Cláudia.

__E depois nada, branco, vazio, indefinição. Se preferir, morte. Segundo Tales ele deu um salto no tempo. – disse Drica satisfeita por ter conseguido gerar a expectativa na hora certa e ter conseguido causar o efeito desejado de revelação fabulosa.

__Como assim? Ele morreu? Ah, impossível. A não ser que você estivesse ouvindo a história de um espírito. – Cláudia novamente com tom de ironia e impaciência na voz.

__Certamente – Drica sorrindo – na verdade ele despertou de repente, sem saber direito quanto tempo havia se passado, sem saber quanto tempo havia ficado em transe. Ao olhar a sua volta percebeu que as pessoas não estavam mais lá e que estava sozinho. Não havia visto o ônibus chegar nem as pessoas saírem. Não havia visto nada, apenas acordou como com um estalar de dedos de um hipnotizador.

__Mais como isto é possível? É uma história realmente estranha. – Cláudia.

__Na verdade não sei ao certo. Já li teorias sobre este fato, mas nenhuma ainda conclusiva. Me lembro que na época fiquei fascinada pelo fato. Talvez isso tenha desencadeado uma série de coisas em minha vida, inclusive meu interesse por ele. – Drica com o olhar distante – Bom, só que o mais estranho aconteceu depois.

__Como assim? Não acabou? – Cláudia.

__Não. No dia ele ficou preocupado, mais relaxou depois de me contar. Eu disse que já havia acontecido isso comigo também e a nuvem de preocupação na cabeça dele acabou se desvanecendo. Foi uma mentirinha à toa. Só que ele teve estas rupturas por mais duas vezes. A segunda vez, uns seis meses depois, durou umas três horas, segundo ele. E na terceira, você nem sabe...

__Ah, conta logo sua chata. – Cláudia já nervosa.

__Bom, não sei se houve realmente uma terceira. Mais no nosso ultimo ano do ensino fundamental lá por meados de setembro aconteceu uma coisa curiosa. Tales chegou diferente em sala. Estava com um brilho fulminante no olhar. Sentou-se no fundo da sala. Olhava para as coisas como para certificar-se de que eram reais. Seu semblante revelava uma força ostensiva, jamais antes demonstrada e tornara-se mais expansivo. Parecia outra pessoa. E à medida que se passavam os dias esta mudança ficava mais evidente e definitiva. Começou a se envolver com problemas. Estava rebelde. Matava aula para ir tomar banho de rio. Cantava de forma agressiva as meninas da escola. Começou a beber. Alguns acharam que a adolescência havia chegado à Tales de supetão. Mais eu tinha outra teoria. Dizem que a dor e o sofrimento amadurecem as pessoas, e eu concordo com isso, porque trazem sabedoria e nos ensinam a lidar com os problemas mais também alimentam o superego de onde vêm nossos mais íntimos instintos. Minha teoria sobre Tales é que uma terceira ruptura aconteceu, e foi definitiva. Acredito que o Tales que conhecíamos não voltou, e que em seu lugar voltou outro, que talvez criado dentro de sua própria mente sentia-se ansioso e encarcerado por não poder desfrutar de tudo que poderia se não estivesse sujeito às restrições impostas por seu lado dominante e por isso resolveu assumir o controle.

__Nossa! E depois?

__Bom, depois sua família toda se mudou. Parece que decidiram que seria melhor para todos. Tales já estava criando problemas demais. Seus pais acreditavam que o problema eram as más companhias e que saindo de Cataguases eles teriam como controla-lo mais. Desta forma jamais voltei a vê-lo.

__As vezes eu queria sumir assim. – Claudia com o olhar distante.

__É, eu sei, todos nós às vezes queremos. Tenho notado você muito distante ultimamente. Sei que você tenta disfarçar. Espero que você venha mais aqui conversar comigo. Você sabe que eu estou sempre aqui não é? – disse Drica enquanto acariciava os cabelos longos da sobrinha.

__Está certo. Pode deixar que eu venho sim tia.

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