Aos perdidos no deserto.

Olá prezado navegante, o que o fez cair aqui neste ambiente árido e sem vida (quase nenhuma)? Este lugar não é pra você. Não estou querendo expulsá-lo, porém! Fique à vontade.

Deixe-me contar - já que está por aqui - o motivo da criação deste ponto no meio do nada de um mar de IPs e máscaras de sub-rede. Mas antes, acho que posso mencionar que este blog já teve alguns nomes: fl4v10, tremdeler, poráguabaixo e outros de que eu não me lembro. Porém acho o atual nome mais adequado já que não possuo seguidores e apenas eventualmente recebo a visita de algum incauto redirecionado por motivo que foge a minha compreensão. Entrou em uma trilha e se perdeu?

Volto à razão da criação do blog, se o senhor ou senhora ainda estiver aí, que reverbera vazios verbos - e artigos, e adjetivos, etc - ao vento arenoso dos bytes. Certamente, se o ilustre visitante escreve e se goza de relativa autocrítica e cuja vaidade não interfere excessiva, deve já ter jogado fora alguns de seus escritos. O problema disto é que se perde alguma coisa boa dentre as tantas coisas ruins. Perde-se também um pouco da própria história literária (ainda que questionável ou incipiente). Como vamos perceber que evoluímos se separamos só um pequeno texto que ficou bom? Neste sentido criei um depósito de meus escritos. Confesso que a intenção era também me forçar a escrever já que poderia - algo que não se concretizou - ter eco em algum leitor que seguisse este espaço.

Assim, sem mais, o espaço existe. E existe só para mim (na maioria do tempo). Caso queira sinalizar na areia um traço de presença humana, fique a vontade para deixar um recado após o sinal!! E obrigado pela visita!

BEEP.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Conto de Primavera.

O pássaro pousou na janela. O dia estava lindo, o céu azul. Um raio de sol pousava no chão após esbarrar delicadamente na cômoda antiga de madeira de lei que tinha o cheiro de uma época em que ela ainda não era nascida. As lascas na porta depositaram bolinhas de madeira no chão de tacos. Divertiu-se com a lembrança de que alguns deles estavam soltos. O forro do teto também era de madeira mas as paredes brancas que soltavam cal eram de tijolos. Os olhos já estavam se acostumando com a luz e as dores herdadas do chão duro em que havia dormido já não eram tão fortes. Vendo de baixo tudo era grande. Que bom que nenhuma barata ou outro inseto qualquer veio perturbá-la durante a noite. Tentou se mover e sentiu uma fisgada de dor nos pulsos e nos tornozelos. Não estava certo, a claridade de um dia como esse não combinava nada com a situação. Combinava talvez com um bom banho de mangueira e um passeio por estradas que levavam a belas paisagens e cachoeiras. Ficou quieta para não piorar a respiração ofegante. Adormeceu novamente.

Um vento refrescante a acordou e agora o pequeno pássaro amarelo, parecido com o que havia visto na janela, dava pulinhos no chão do quarto. Precisava de um banho, precisava comer, precisava de energia, precisava acordar. Só ouvia os sons da natureza e a paz que ela trazia. Saudade do barulho, das pessoas, dos pais, do abraço de seu namorado. Chorou e depois de algum tempo desistiu de chorar. Algo mais estava errado. Porque não voltavam com a bandeja? Porque não voltavam com a violência e com a invasão de seu corpo, de sua alma, de sua dignidade? Já se passavam dias. Dias em que teve medo, revolta, repulsa, esperança, dor, ódio, pavor, nojo, fé e por fim resignação e desistência.

Preferia as discussões, os berros e o stress. Desde que a abduziram da porta de casa, encapuzados e violentos aos gritos até o momento em que deixou o desconfortável porta-malas para vislumbrar a casa antiga no campo com seu jardim mal cuidado e rodeada por árvores, jamais havia ficado sozinha. Levavam bandejas com frutas, biscoitos e as vezes comida de micro-ondas. Levavam-a ao banheiro quando desejava. No principio se divertiam dando banho nela e depois – por perceberem que dava muito trabalho – deixavam-a tomar banho sozinha tomando cuidado de deixar a porta aberta. Havia também o abuso e a violência. Mas agora tudo havia cessado. Absolutamente tudo. Estava exausta, fraca e suja. Havia excreções e fedor impregnados em seu corpo. Não comia há dias. Poderiam eles terem sido presos. Poderiam ter sofrido um acidente enquanto saiam a noite para se divertir, confiantes de quem ninguém encontraria o cativeiro. Poderiam ter morrido em um tiroteio com a polícia ou fugido. Não sabia, só sabia que não havia ninguém. Não havia forças. Não havia nada. A não ser um lindo dia de primavera e um pássaro amarelo esperando para comer seus olhos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário