Aos perdidos no deserto.

Olá prezado navegante, o que o fez cair aqui neste ambiente árido e sem vida (quase nenhuma)? Este lugar não é pra você. Não estou querendo expulsá-lo, porém! Fique à vontade.

Deixe-me contar - já que está por aqui - o motivo da criação deste ponto no meio do nada de um mar de IPs e máscaras de sub-rede. Mas antes, acho que posso mencionar que este blog já teve alguns nomes: fl4v10, tremdeler, poráguabaixo e outros de que eu não me lembro. Porém acho o atual nome mais adequado já que não possuo seguidores e apenas eventualmente recebo a visita de algum incauto redirecionado por motivo que foge a minha compreensão. Entrou em uma trilha e se perdeu?

Volto à razão da criação do blog, se o senhor ou senhora ainda estiver aí, que reverbera vazios verbos - e artigos, e adjetivos, etc - ao vento arenoso dos bytes. Certamente, se o ilustre visitante escreve e se goza de relativa autocrítica e cuja vaidade não interfere excessiva, deve já ter jogado fora alguns de seus escritos. O problema disto é que se perde alguma coisa boa dentre as tantas coisas ruins. Perde-se também um pouco da própria história literária (ainda que questionável ou incipiente). Como vamos perceber que evoluímos se separamos só um pequeno texto que ficou bom? Neste sentido criei um depósito de meus escritos. Confesso que a intenção era também me forçar a escrever já que poderia - algo que não se concretizou - ter eco em algum leitor que seguisse este espaço.

Assim, sem mais, o espaço existe. E existe só para mim (na maioria do tempo). Caso queira sinalizar na areia um traço de presença humana, fique a vontade para deixar um recado após o sinal!! E obrigado pela visita!

BEEP.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

A mãe de Lucas



A mãe de Lucas

O calor calmante se espalha da boca à garganta e em seguida aos pulmões como se fosse o efeito de uma respiração profunda em um momento de agonia. O prazer da consistência da fumaça e a sensação de uma leve tontura indica que a nicotina chegou ao cérebro já tão desacostumado da substancia. Fumava pela primeira vez em quatro anos. Pagou ao dono do bar e saiu a caminho do necrotério. Ninguém haveria de criticá-lo naquele momento.

Não sentia vontade de chorar, não sentia dor, mas uma ausência, um afastamento, o pensamento sempre longe, imaginando, cogitando, refletindo em uma singular nostalgia. Todos já estavam providenciando algo e ele só veio ao necrotério para trazer a roupa com que sua mãe seria enterrada. Com toda aquela confusão de atestado de óbito, ligar para os familiares, transporte intermunicipal, providenciar funerária, escolher o caixão, e todos os trâmites necessários Lucas a quem não se podia cobrar senso prático naquele momento ficou encarregado somente desta tarefa menor que realizara rapidamente antes de ir comprar seu cigarro. Já podia ir embora, mas por alguma razão não desejava fazê-lo. Talvez porque onde quer que fosse não conseguiria fugir da realidade incontestável ou talvez por querer ficar próximo da sua falecida mãe pois sabia que nunca mais iria vê-la. Sendo assim voltou ao necrotério, sentou-se no banco e ainda fumando seu cigarro começou a pensar sobre a vida daquela que viveria de agora em diante somente em sua memória e na daqueles que a conheceram.

Antes da internação às pressas na Santa Casa ela gozava de boa saúde com exceção dos resfriados esporádicos ou de alguma epidemia que as vezes se espalhava no verão. Era uma mulher contida em seus comentários e sempre preocupada em não causar magoas a ninguém. Não sabia dizer não e por isso estava sempre às voltas com os problemas dos outros. Com seu salário de funcionária pública ela e o filho nunca tiveram grandes dificuldades financeiras. Enfim a vida era boa, mesmo que um pouco longe da cidade natal que ficava aproximadamente a uns cem quilômetros de distancia. Lucas adorava quando vinham visitar os avós pois ficava até tarde da noite brincando com os primos, e agora mais velhos iam para nas festas e voltavam só de madrugada. Seu padrasto as vezes até lhe emprestava o carro. Hoje sua mãe reunia a família mais uma vez.

Sua gravidez foi um período de muito sofrimento e angústia. Com um filho nos braços e a desconfiança de todos se não tivesse conseguido a transferência sabe-se lá o que poderia ter acontecido. “Ninguém faz um filho sozinha” diziam os pais e irmãos. Era apontada na rua por desconhecidos e fofoqueiras. Era pressionada por todos os parentes preocupados que tentavam faze-la revelar qual era o problema o que ela estava escondendo. Porque não queria dizer o nome do pai? todos sabiam que ela não era uma mulher promíscua. Na verdade, se não houvesse a criança poderiam apostar até que ela era virgem. E ela era, mas dizer alguma coisa naquela situação só iria piorar as coisas. As vezes passava horas chorando compulsivamente. Foi um terremoto em sua família, para eles o fato era que ela não confiava neles para revelar a verdade. Poderia ela ter engravidado de um traficante, ou ter o pai fugido, ou ter sido violentada, ou ter feito sexo com vários homens e até, oh deus, com algum parente.

Em uma daquelas noites em que todos estavam reunídos na sala vendo TV, alguns cochilando no sofá, outros comentando a novela outros repreendendo os que estavam falando durfante as cenas, nos comerciais todos foram para cozinha e inevitavelmente o assunto veio à tona. Bombardeada por todos os lados com perguntas e com a indignação dos presentes ela, apesar de seu temperamento suave, explodiu em um grito animalesco e amaldiçoou-os. Em seguida gritou a plenos pulmões que todos eram hipócritas e bradou “porque é tão fácil acreditar em uma estória que aconteceu há mais de dois mil anos de uma mulher engravidou virgem de uma criança e ainda que esta criança era a salvadora do mundo mas não podem acreditar que eu engravidei sem ter relações sexuais com ninguém? Não usem dois pesos e duas medidas. Eu não sei o que pode ter acontecido, já ouví estórias sobre enxugar na mesma toalha, sobre privadas sujas de sêmen. Eu não tenho como saber e não vou inventar nada apenas para satisfazê-los, nem sei o que estou dizendo por favor parem de me atormentar” e desabou novamente em seu já habitual choro compulsivo. Depois disso foi unanime que este seria um assundo proibido na casa, mas o clima já estava pesado o suficiente. Porém a transferencia pouco tempo depois aliviou as tensões e ela sentia que cada vez que visitava sua família a tensão se dissipava um pouco mais.

Na sua morte certamente encontraria a paz de espírito que desejava. Se libertaria por completo da mágoa que a oprimia o peito. Pelo menos, depois de algumas sessões de análize, foi convencida a se perdoar e a seguir em frente, tendo a certeza de que (o que quer te tenha acontecido) nada fora culpa dela.

O banco ao ar livre do necrotério já estava deixando a bunda de Lucas quadrada. A binga do cigarro jazia perto da lata de lixo, mas não dentro dela. Ainda não queria ir embora, talvez comprasse outro cigarro e voltasse novamente para o banco de cimento para gozar do direito de se entristecer em paz. Antes que se levantasse uma mão se estendeu diante dele segurando um maço de onde saltava um cilindro branco.

__Fuma? - Perguntou o senhor de cabelos meio grisalhos
__Hoje sim. - Respondeu Lucas ao senhor que imaginou ser o responsável pelo necrotério.
Enquanto acendia o cigarro lembrou-se deste senhor parado à porta do necrotério observando-o durante um bom tempo antes de se aproximar. Não dera atenção na hora, mas também reparara no rosto pálido do homem quando foi levar a roupa de sua mãe. Parecia que ele estava assustado, parecia que havia visto um fantasma.

__Porque seu pai não veio com você? - perguntou o senhor antes de tragar profundamente.
__Ele foi buscar a família do meu tio que mora na roça – respondeu
__Hum. - confirmou sem expressão alguma.
__Na verdade ele é meu padrasto, não conheci meu pai. Mas isso não importa agora não é?
__Talvez importe – disse o senhor parecendo produrar um gancho para continuar o assunto. Deu uma pausa e como Lucas não disse nada, continuou:
__Já ouviu falar de catalepsia meu jovem?
__É uma doença que a pessoa parece que está morta. Já li sobre isso, algumas pessoas colocavam sinos nas covas para dar alerta caso acordassem em um caixão. - disse Lucas pensando se o assunto era proposital ou apenas para matar o tempo.
__Exatamente. Então acomode-se que vou te contar uma estória sobre um necrófilo, uma criança e uma mulher que morreu duas vezes. Meu filho...



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